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Já há algum tempo que era claro que a cimeira das Nações Unidas sobre o clima era uma farsa, mas, no entanto, era difícil acreditar que pudesse ter sido ainda pior.Este ano, porém, as contradições e os potenciais conflitos de interesses foram mesmo expostos abertamente, à vista de todos, diante dos olhos de todos.O resultado é, simplesmente, decisões que deveriam resolver a crise climática eles foram colocados nas mãos daqueles que os causaram.A 28ª Conferência das Partes sobre o Clima (COP28) acontecerá nos Emirados Árabes Unidos e será presidida pelo chefe da gigante petrolífera do país.O sultão Ahmed Al Jaber, CEO da Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADNOC), terá a tarefa de definir a agenda da principal conferência internacional sobre questões climáticas, desempenhando um papel central nas negociações que visam alcançar, em teoria, um consenso em pontos como a redução das emissões de CO2 e o abandono progressivo dos combustíveis fósseis.Um absurdo assinado pelas Nações Unidas que mina a pouca credibilidade que restou nestas negociações.É claro que se poderia argumentar afirmando que aqueles que tinham as principais responsabilidades climáticas deveriam ser responsáveis pela conversão energética, mas é uma pena que as intenções pareçam ser tudo menos nesta direcção.
Comecemos por dizer que os Emirados Árabes Unidos são o país com maior planos da expansão fóssil no mundo.Um vínculo secular, aquele entre os Emirados e o petróleo, que dificilmente será dissolvido no espaço de algumas semanas.Como pode uma nação com tais interesses pressionar para que as fontes de energia que a sustentam sejam abandonadas em menos de 10 anos?Simples:ele não pode.Em seguida, olhamos para a empresa petrolífera estatal dos Emirados, ADNOC, que, embora tenha os maiores projetos de emissões zero de qualquer empresa no mundo, levaria De qualquer forma mais de 300 anos para capturar tudo o que produzirá até 2030. No entanto, o seu CEO, bem como o presidente da Cimeira, têm apoiado repetidamente a captura de carbono como uma das soluções para a crise climática.Um primeiro receio é, portanto, que Al Jaber queira usar a COP28 para promover soluções técnicas inúteis e arriscadas, em vez de pressionar por uma redução rápida e necessária na produção de combustíveis fósseis e nas emissões resultantes das alterações climáticas.
Mas não termina aqui.Aparentemente, o gigante fóssil dos Emirados pretende explorar diretamente o cume concluir nada menos do que novos acordos petrolíferos.Isso foi revelado por um recente vazamento de documentos analisado de alguns jornais britânicos.Os documentos, obtidos do Center for Climate Reporting, consistem em relatórios elaborados pela equipe da COP28 antes do início das negociações.Em particular, haveria “pontos de discussão” para 15 países com os quais, na prática, a empresa de combustíveis fósseis ADNOC gostaria de colaborar para extrair novos hidrocarbonetos.Com a China, por exemplo, a empresa disse estar “disposta a avaliar conjuntamente as oportunidades internacionais de GNL (gás natural liquefeito)” em Moçambique, Canadá e Austrália.Nos documentos, o ADNOC convida então um ministro colombiano a comunicar que “está pronto” para apoiar a Colômbia no desenvolvimento dos seus recursos de combustíveis fósseis.Em vez disso, pediu-se ao ministro do Meio Ambiente do Brasil que ajudasse a "garantir o alinhamento e a aprovação" da oferta da ADNOC para a maior empresa de processamento de petróleo e gás da América Latina, a Braskem.A este respeito, um porta-voz dos Emirados Árabes Unidos não negou que também tenha utilizado as reuniões da COP28 para assuntos de negócios, embora tenha feito questão de salientar que “as reuniões são privadas”.Em suma, a cimeira que deveria levar à cessação definitiva da exploração dos combustíveis fósseis torna-se uma oportunidade para promover a sua expansão.
Ao mesmo tempo, será colocado em cima da mesa pelo menos algo verdadeiramente útil no combate às alterações climáticas?Em palavras, certamente.A própria ONU – em documento que lança as bases para discussões – afirmou, por exemplo, que a exploração de combustíveis fósseis deverá cessar globalmente até 2030 e que, na mesma data, o financiamento para salvar os países pobres dos impactos da crise climática deverá atingir 400 mil milhões de dólares por ano.A União Europeia é da mesma opinião e optou por defender o objectivo mais ambicioso, nomeadamente o de obter um compromisso global sobre a saída gradual das fontes de energia fósseis.A boa notícia é que, até agora, dizer adeus aos combustíveis fósseis nunca tinha sido incluído num texto da UE destinado às negociações climáticas.A má notícia é que, como sempre, foi incluída uma lacuna.“A UE – lemos no texto – promoverá sistematicamente e apelará a uma mudança global para sistemas energéticos livres de combustíveis fósseis muito antes de 2050”.Na prática, a União pede que apenas os combustíveis fósseis produzidos sem redução de emissões sejam abandonados, isto é, todos aqueles não associados aos amplamente criticados sistemas de captura e armazenamento de carbono.No geral, porém, está longe de ser um dado adquirido que as palavras se transformarão em ações.Basta dizer que nem o presidente dos EUA, Joe Biden, nem o presidente da China, Xi Jinping, planeiam participar no evento climático internacional.Sim, enviarão os seus delegados, mas o certo é que a sua decisão diz muito sobre quais são as prioridades das nações que mais emitem a nível global.
[por Simone Valeri]